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sexta-feira, 5 de agosto de 2016

"O Lumpensinato e a juventude revolucionária"



As primeiras grandes rebeliões negras desde 1943, eclodiram em várias grandes cidades, no verão de 1964. Naquele outono, o Free Speech Movement explodiu no Berkeley. Desde então, tornou-se cada vez mais óbvio que o Movimento de Libertação Negra desempenha um papel de liderança ao trazer setores da juventude branca para a revolução, e, recentemente, temos vendo um Movimento de Juventude Revolucionária no país dialeticamente relacionado com a luta interna de libertação nacional da população negra.

Nitidamente, é crucial que aqueles engajados em ambas as lutas desenvolvam uma compreensão teórica correta da relação entre os dois. Na tentativa de chegar a esse entendimento, algumas pessoas dentro ambos os movimentos, negros e de juventude, começaram a usar o termo "lumpemproletariado".

As razões para isso são evidentes. Setores da juventude branca abandonaram sua posição privilegiada e conscientemente assumiram uma condição de existência de subproletariado. Esta “juventude das ruas” [no original “street people”] agora possui condições de vida menos superficialmente semelhante ao em que uma grande parte da juventude negra foi forçada a ter. A juventude negra dos guetos e a juventude das ruas branca não detém nenhuma propriedade, raramente vendem sua força de trabalho (em um caso, porque não podem, em outro, porque não querem), desprezam e são desprezados pela burguesia e pequena burguesia, e da mesma forma, por setores aburguesados da classe operária. A maneira de se identificarem entre si agora é o fato de serem levados para casa pela polícia, que agora passa a aplicar nos “renegados” brancos o mesmo tipo sistemático de terror e brutalidade anteriormente reservados apenas para os negros e brancos mais pobres.

Tudo isso levou alguns a teorizar que a contradição principal nos Estados Unidos não é entre a burguesia e o proletariado, mas entre o lumpemproletariado e todas as outras classes, que são vistas como mais ou menos aburguesadas. Eles visualizam uma força anárquica, constituída pelos subgrupos mais desesperados e alienados da sociedade, rasgando as entranhas do Império e arrastando seu cadáver em decomposição para algum Armageddon de fogo. Uma vez que esta ideia tem crescido entre algumas pessoas estrategicamente colocadas no movimento de maneira suficiente para ser capaz de colocá-la em prática, devemos analisar seriamente tanto nos seus fundamentos teóricos quanto nas consequências práticas.

Para fazer isso, temos de responder a duas perguntas muito difíceis: O que é precisamente o lumpemproletariado? Quais são seus possíveis papéis na revolução norte-americana? Este artigo é desenvolvido como um exame preliminar destas questões.


Teoria marxista-leninista e o Lumpemproletariado

O lumpemproletariado é uma classe que tem recebido extremamente escassa atenção na teoria marxista-leninista clássica, e o que tem sido dito sobre ele é um pouco intrigante.

Marx e Engels estavam escrevendo num momento em que a maioria dos outros escritores sobre a história da luta revolucionária tomavam pontos de vista consistentemente burgueses. Para estes outros autores, as revoluções - e para eles, claro, a Revolução Francesa era o arquétipo - foram realizadas por uma multidão, uma massa indiferenciada. Marx e Engels, ao destacar o proletariado industrial como a vanguarda da revolução socialista, também buscavam se distinguir daqueles escritores burgueses. Isso pode ajudar a explicar o desprezo que eles expressam pelo lumpemproletariado e por sua falta de análise detalhada de suas condições de vida, a sua consciência e suas relações com a produção capitalista. No Manifesto Comunista, eles se referem ao lumpemproletariado como "a" classe perigosa ", a escória social, aquela “massa putrefata e passiva que havia sido jogada fora pelas camadas mais baixas da velha sociedade", e afirmam que, embora "possam, aqui e ali, ser arrastados ao movimento por uma revolução proletária, as suas condições de vida o condicionam muito mais para fazer parte da reação”. Em Lutas de Classes na França, Marx diz que o lumpemproletariado "em todas as grandes cidades constitui uma massa nitidamente diferenciada do proletariado industrial", e analisa-o como "um terreno de recrutamento para os ladrões e criminosos de todos os tipos, vivendo de migalhas da sociedade, vagabundos, variando de acordo com o grau de civilização da nação à qual eles pertencem, mas nunca renunciando ao seu caráter.

A passagem mais incisiva vem de Engels, em seu prefácio ao “Guerras Camponesas na Alemanha”:

“O lumpemproletariado, essa escumalha dos sujeitos sem dignidade de todas as classes que monta o seu quartel-general nas grandes cidades, é de todos os aliados possíveis o pior. Esta canalha é absolutamente venal e absolutamente impudente. Se os operários franceses em todas as revoluções escreveram nas casas Mort aux voleurs!, morte aos ladrões, e abateram mesmo muitos, isso não aconteceu por entusiasmo pela propriedade, mas no reconhecimento correto de que acima de tudo é preciso ver-se livre deste bando. Todo dirigente operário que utiliza estes miseráveis como guarda ou neles se apoia logo se revela traidor ao movimento.”

No entanto, mesmo esta passagem, tomada com outras, apresenta algumas contradições aparentes.

Primeiro de tudo, o que Marx e Engels colocam como o caráter de classe do lumpemproletariado? Esta não é uma pergunta ociosa ou acadêmica. O teor de classe certamente deve ter algo a ver com a determinação consciente, tanto real quanto potencial. E, recentemente, tornou-se moda em alguns círculos para amortizar os moradores de rua como nem mesmo lumpemproletariado, mas "lumpemburguesia", ou falso lumpemproletariado. Na passagem anterior de Engels, ele diz que eles vêm dos "elementos depravados de todas as classes.". Mas o Manifesto diz que eles vêm apenas "das camadas mais baixas da velha sociedade". E na mesma passagem em que Marx diz que o lumpemproletariado é  uma classe "nitidamente distinta do proletariado industrial", ele também indica que se trata diretamente de apenas uma classe, desse mesmo proletariado. ("E assim o proletariado de Paris foi confrontado com um exército, constituído a partir de seu próprio meio..."). No entanto, em O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte, Marx é bastante explícito em afirmar que o lumpemproletariado vem de todas as classes:

“Lado a lado com roués decadentes, de fortuna duvidosa e de origem duvidosa, lado a lado com arruinados e aventureiros rebentos da burguesia, havia vagabundos, soldados desligados do exército, presidiários libertos, forçados foragidos das galés, chantagistas, saltimbancos, lazzarani, punguistas, trapaceiros, jogadores, maquereaus, donos de bordéis, carregadores, líterati, tocadores de realejo, trapeiros, amoladores de facas, soldadores, mendigos - em suma, toda essa massa indefinida e desintegrada, atirada de ceca em meca, que os franceses chamam la bohêmne; com esses elementos afins O 18 Brumário de Luis Bonaparte formou o núcleo da Sociedade de 10 de Dezembro. "Sociedade beneficente" no sentido de que todos os seus membros, como Bonaparte, sentiam necessidade de se beneficiar às expensas da nação laboriosa; esse Bonaparte, que se erige em chefe do lumpemproletariado, que só aqui reencontra, em massa, os interesses que ele pessoalmente persegue, que reconhece nessa escória, nesse refugo, nesse rebotalho de todas as classes a única classe em que pode apoiar-se incondicionalmente, é o verdadeiro Bonaparte, o Bonaparte sans phrase. ”


Mas isto é tudo muito confuso, porque no Manifesto, o parágrafo que segue imediatamente a sentença condenando o lumpemproletariado descreve a pauperização do proletariado nos seguintes termos:

“Nas condições de existência do proletariado já estão destruídas as da velha sociedade. O proletário não tem propriedade; suas relações com a mulher e os filhos nada têm em comum com as relações familiares burguesas. As leis, a moral e a religião são para ele meros preconceitos burgueses, atrás dos quais se ocultam outros tantos interesses burgueses.”

Alguns parágrafos mais tarde, afirma que “O operário moderno, pelo contrário, longe de se elevar com o progresso da indústria, desce cada vez mais abaixo das condições de sua própria classe. O trabalhador cai no pauperismo, e este cresce ainda mais rapidamente que a população e a riqueza.” Bem, então, se isso é verdade, o que acontece com o proletariado pauperizado? Como eles conseguem viver? Por que um funileiro ou um porteiro ou um mendigo ou um soldado desarmado ou mesmo um preso liberto, um membro de alguma outra classe, o lumpemproletariado ", nitidamente distinta do proletariado industrial"? Não pode ser apenas uma questão de valores, porque para o proletariado, a "lei, a moral, a religião" são apenas "preconceitos burgueses." E isso não pode ser uma questão de relação pessoal com os meios de produção, porque, nesse caso, qualquer trabalhador que fica desempregado se tornaria automaticamente um membro do lumpemproletariado e o exército industrial de reserva se tornaria um exército lumpen.

Gostaria de tirar as seguintes conclusões: Marx e Engels, percebendo a existência de uma classe social importante, mas mal definida e irritados com o papel de traição muitas vezes desempenhado por essa classe, tendem a fazer um juízo ético ao invés de uma análise marxista do seu papel na sociedade capitalista e luta revolucionária. Esta classe pode ser definida da seguinte forma: Não se envolve em trabalho produtivo, e, portanto, não é explorado na indústria (a burguesia, porém, irá utilizá-lo como polícia, exército ou informante). Seus principais meios de existência são o trabalho da classe produtiva, e sua relação com o proletariado é, portanto, inerentemente parasitária. Os seus membros vêm de todas as classes, e deixaram de ser membros dessas outras classes por causa de uma combinação de duas condições, uma objetiva, e a outra, subjetiva – eles já não têm a mesma relação com os meios de produção e já não têm qualquer identidade com sua antiga classe.

Disto se segue que o lumpemproletariado possui um processo de consciência multifacetado e sob mais formas do que qualquer outra classe na sociedade, suas experiências anteriores serão mais variadas e a maneira que ele cria seus meios precários para existir irá jogá-los para muitas formas diferentes de contato com todas as outras classes (a prostituição fornece o exemplo mais marcante disto). Assim, o papel do lumpemproletariado é inerentemente imprevisível tanto estrategicamente quanto em seu teor.

Se isso for verdade, devemos estar cientes da falta de confiabilidade do lumpemproletariado, mas devemos rejeitar a condenação de Engels a eles como completamente inútil e simplesmente perigosa. Marx fornece uma visão fundamental em uma passagem que prenuncia a análise de Mao e Fanon e se relaciona diretamente com o desenvolvimento do Movimento de Juventude Revolucionária. Ele pontua em “Luta de Classes na França” que, quando jovem, o lumpemproletariado é "completamente maleável, capaz dos atos mais heroicos e os sacrifícios mais exaltados como do banditismo mais vil e da corrupção mais condenável." Sendo assim a juventude do lumpemproletariado deve ser capaz de desempenhar um papel extremamente importante na luta revolucionária, porque eles são o único grupo a combinar esta potencialidade para o heroísmo com um conhecimento diário íntimo de como lidar com a polícia e se engajar em atividades clandestinas como um modo de vida. E devemos nos lembrar que em “Que fazer?”, Lenin torna o domínio dessas habilidades a exigência principal do revolucionário profissional e do partido revolucionário como um todo, a princípio porque estas competências são necessárias para sobreviver.

O próprio Lênin lida com um aspecto do lumpemproletariado bastante relevante no presente momento- sua tendência a se envolver em lutas armadas espontâneas e desorganizadas contra o Estado e na "expropriação" de propriedade do Estado. Lenin violentamente condena aqueles bolcheviques que tentam se desassociarem disso "declaram orgulhosa e presunçosamente" nós não somos anarquistas, ladrões, assaltantes, somos superiores a tudo isso.” Ele ataca "a frequente avaliação " que vê esta luta como meramente "anarquismo, blanquismo, o velho terrorismo, os atos individuais isolados das massas, que desmoralizam os operários, repelem amplos estratos da população, desorganizam o movimento e ferem a revolução". Lênin desenvolve a partir do caráter desorganizado dessa luta: “não são essas ações, que desorganizam o movimento, mas a fraqueza de um partido que é incapaz de tomar tais ações sob seu controle.” Os bolcheviques devem organizar esses atos espontâneos e "devem treinar e preparar as suas organizações para ser realmente capazes de agir como um lado beligerante que não perde uma única oportunidade de infligir danos às forças do inimigo."

A análise de Mao sobre o lumpemproletariado e seu possível papel na revolução é clara e simples:

"Existe também um numeroso lumpemproletariado, composto de camponeses que perderam suas terras e de operários-artesãos sem trabalho. São os elementos mais instáveis de todos. Eles levam a existência mais precário de todos... A atitude com relação a estes grupos constitui um dos problemas mais difíceis que se apresentam à China. Tais indivíduos são capazes de lutar com a maior coragem, mas são propensos a ações destrutivas. Conduzidos de maneira correta, podem converter-se numa força revolucionária". (Análise das classes na sociedade chinesa).

Embora na sociedade americana o lumpemproletariado consista em grupos que vão além dos agricultores expropriados do Sul e Centro-Oeste e artesãos desempregados, as ponderações finais de Mao parecem ser apropriadas tanto para nossa realidade quanto para a dele.

Mas, infelizmente para nós, Mao não dá qualquer aporte teórico detalhado sobre como trabalhar com essa classe quase inteiramente urbana. O mais próximo disso é uma passagem em "A Revolução Chinesa e do Partido Comunista da China”:

A situação de colónia e semicolônia deu lugar na China ao aparecimento duma multidão de desempregados, no campo e nas cidades. Sendo-lhes recusados os meios de levar uma vida honesta, muitos deles veem-se forçados a recorrer a meios ilícitos, entregando-se a pilhagem, banditismo, mendicidade e prostituição, assim como a exploração profissional da superstição. Essa camada social é instável. Enquanto uns se mostram capazes de ser assoldados pelas forças reacionárias, outros são suscetíveis de aderir a revolução. Tais indivíduos não têm espírito construtivo, são mais aptos a destruir do que a construir. Quando intervêm na revolução, convertem-se em fonte da mentalidade de bando rebelde errante e anarquismo no interior das fileiras revolucionárias, razão por que precisamos de saber remodelá-los, guardando-nos contra o seu espírito destrutivo.

O principal teórico marxista do lumpemproletariado é Frantz Fanon, cuja visão é como um desenvolvimento de Mao. Em “Condenados da Terra”, Fanon, escrevendo principalmente sobre as colónias africanas, vê o lumpemproletariado como composto quase exclusivamente de camponeses sem terra. Esta é a parte da análise menos relevante para os EUA, embora, é claro, quase todo a população negra e parte do lumpemproletariado branco foram expulsos da terra para as cidades. Mas ele argumenta que, por três razões, a revolução não pode ter sucesso sem essas pessoas: (1) Eles são os mais preparados para lutar. (2) Eles fornecem, portanto, o modo pelo qual as forças revolucionárias do campo entram na cidade. (3) Se eles não estão lutando do lado da revolução, eles vão lutar contra ela. Fanon dá muitos exemplos específicos do papel contrarrevolucionário, por vezes, desempenhado pelo lumpemproletariado. Em Madagáscar, os colonialistas tomaram parte na "criação de um partido dos elementos desorganizados do lumpemproletariado", e então "usou suas ações provocativas" como "a desculpa legal para manter a ordem." Em Angola, Argélia e Congo, os colonialistas foram capazes de usar os elementos do lumpemproletariado como soldados, agentes, trabalhadores, e manifestantes contrarrevolucionárias. Fanon conclui que o lumpemproletariado não deve ser ignorado, mas muito pelo contrário: o verdadeiro perigo reside em função da sua espontaneidade:

O colonialismo também vai encontrar no lumpemproletariado um considerável espaço para massa de manobra. Por esta razão, qualquer movimento para a libertação deveria dar a máxima atenção a este lumpemproletariado. As massas camponesas sempre atenderão a chamada à rebelião, mas se os líderes da rebelião acharem que serão capazes de desenvolver uma luta sem tomar as massas em consideração, o lumpemproletariado vai lançar-se na batalha e vai participar no conflito - mas dessa vez ao lado do opressor. E o opressor, que nunca perde a chance de jogar os negros uns contra os outros, vai ser extremamente hábil no uso da ignorância e incompreensão, que são os pontos fracos do lumpemproletariado. Se essa reserva de esforço humano à disposição não for imediatamente organizada pelas forças da rebelião, ele vai encontrar-se lutando como soldados contratados lado a lado com as tropas coloniais, (p. 109)

O que torna tudo isto particularmente perigoso é que pode acontecer que após o lumpemproletariado ter lutado ao lado da revolução, ele pode, posteriormente, tomar as forças revolucionárias completamente de surpresa. Fanon aponta que o inimigo se baseia em uma análise cuidadosa para tirar proveito de qualquer oportunidade:

O inimigo está ciente da fraqueza ideológica, pois ele analisa as forças da rebelião e estuda cada vez mais cuidadosamente o inimigo agregado que fazem os povos coloniais; ele tem igualmente conhecimento da instabilidade espiritual de certas camadas da população. O inimigo descobre a existência, lado a lado com a guarda avançada disciplinada e bem organizada de rebelião, uma massa de homens cuja participação está constantemente à mercê de seu ser por muito tempo acostumados a miséria fisiológica, humilhação e irresponsabilidade. (109-110)

Certamente não é difícil imaginar uma situação semelhante aqui, e nós devemos estar cientes da necessidade de aumentar a consciência de todos aqueles que se juntam a luta. Os cursos de educação política dos Panteras Negras, com base em estudo intensivo de Mao e enfatizando atender as demandas imediata das pessoas, aqui serve como um modelo. Muitos de seus primeiros recrutas, embora não acostumados à leitura e vinculados ao crime, aprenderam a servir ao povo com dedicação completa. E, como Malcolm X, não só Eldridge Cleaver, mas vários outros líderes dos Panteras são os "presidiários libertos” que Marx vê como parte do lumpemproletariado.

Duas outras partes da análise de Fanon são ainda mais de importância estratégica. A primeira é a teoria do lumpemproletariado como o caminho para que o campo cerque a cidade. "A rebelião, que começou nos distritos do país, irá adentrar para as cidades através dessa fração da população camponesa. . . que ainda não conseguiu encontrar uma ligação de ruptura no sistema colonial "." É dentro dessa massa da humanidade, este povo das favelas, no núcleo do lumpensinato que a rebelião vai encontrar o seu ponta de lança urbano.” Como isso se aplica para os EUA? É fácil o suficiente ver as pessoas desempregadas dos guetos negros como parte dessa massa da humanidade. Mas onde está a rebelião que começou nos distritos do país? A resposta, claro, é na revolução mundial como descrito por Lin Piao no “Viva a Vitória da Guerra Popular!”. Os distritos rurais do mundo estão na Ásia, África e América Latina, países de origem dos “condenados da terra”. Existem vários grupos de indivíduos nos Estados Unidos que compartilham a miséria física dessas massas rurais – índios americanos, trabalhadores agrícolas mexicanos, agricultores arrendatários negros no Sul, os brancos despojados de Appalachia. Mas a maioria desses grupos são dispersos e fracos, que vivem à margem da sociedade capitalista, longe de seus centros vitais. Há apenas um grupo que não só compartilha a degradação das massas revolucionárias do mundo, mas é suficientemente concentrada para atacar o imperialismo em casa - o lumpemproletariado urbano. Esta classe, na sociedade americana é em grande parte composta de pessoas do Terceiro Mundo, mas também inclui os brancos despossuídos da terra ou que renegaram sua classe. Este último não é um grupo bastante considerável, e ele retomou áreas de várias cidades importantes, a partir do Haight Ashbury e Telegraph Avenue através de Madison para o Lower East Side, em Cambridge, e Georgetown. Onde quer que o lumpen viva na América, a “lei e a ordem” estão rapidamente desaparecendo para eles. O imperialismo, preso em suas próprias contradições, encontra cada vez mais dificuldades para desenvolver armas eficazes de usar dentro de seus próprios órgãos vitais doentes, suas cidades. Aqui entra o papel do lumpemproletariado, a classe cuja existência física aproxima-se das principais forças da revolução mundial.

Fanon aponta para os sintomas do colapso no país colonizado, e vemos os mesmos sintomas, talvez mais aguçados, no colonizador; a "delinquência juvenil", "roubo, devassidão e alcoolismo", podemos acrescentar os efeitos da metedrina e heroína.

A constituição de um lumpemproletariado é um fenômeno que obedece a uma lógica própria, e nem a caridade dos missionários nem os decretos do governo central pode verificar o seu crescimento. Este-lumpemproletariado é como uma horda de ratos; você pode chutá-los e jogar pedras neles, mas, apesar de seus esforços vão continuar roendo as raízes da árvore. ...O lumpemproletariado, uma vez que é constituído, traz todas as suas forças para pôr em risco a "segurança" da cidade, e é o sinal da decadência irrevogável, a gangrena sempre presente no coração do sistema colonial, (p. 104)

A outra parte extremamente importante da análise de Fanon tem a ver com a mudança dos valores e estilo de vida do lumpemproletariado dentro da luta revolucionária. As condições de vida moldaram-los a lutar, mas a própria luta é uma nova condição que os transforma em um novo tipo de pessoas: “Assim, os cafetões, os hooligans, os desempregados e os criminosos mesquinhos, incitados desde baixo, lançam-se na luta pela libertação com forte dedicação. Estes ociosos sem classe irão, a cada ação militante, descobrir o caminho que leva à identificação nacional. Eles não vão se tornar personagens moldados para agradar a sociedade colonial, submetidos à moralidade de seus governantes; muito pelo contrário, eles tomam como certa a impossibilidade de entrar na cidade de outro modo sem ser por granadas e armas em mãos. Estes ociosos condicionados à desumanização são reabilitados em seus próprios olhos e aos olhos da história. As prostitutas também, e as empregadas domésticas... Todos os resíduos sem esperança da humanidade, todos os que ficam entre suicídio e a loucura, vão recuperar o seu equilíbrio, mais uma vez ir para a frente, e marchar com orgulho na grande procissão da nação desperta.”

Tudo isso enfatiza tanto o perigo de rejeitar os valores existentes do Lumpemproletariado e seu estilo de vida, e a necessidade da liderança consciente para o lumpemproletariado afirmar sua própria libertação através da luta revolucionária. De todas as classes, esta pode ser ao que mais precisa ser liderada por revolucionários conscientes com um senso de sua condição histórica e uma consciência das suas fraquezas e instabilidade. Seria um erro, e provavelmente um erro fatal, pensar que as únicas pessoas qualificadas para levá-los são indivíduos tão imprevisíveis e tão carentes de ideologia.


Estudantes e Juventude das Ruas

Os estudantes constituem agora uma parte considerável de toda a população. O número de estudantes universitários só agora é aproximadamente igual ao todo que compõe forças armadas do país em seus três maiores sindicatos (Teamsters, UAW, e de United Steel Workers), e o número no ensino médio ainda é muito maior. É dos estudantes que vem o grosso das forças políticas brancas radicais e da juventude das ruas. Nitidamente, a radicalização e a lumpenização dos estudantes não são coincidências.

Todos os estudantes, sobretudo aqueles que vivem longe de casa, são parcial e temporariamente desclassados, vivendo num limbo entre seu passado abastado/de classe trabalhadora e quaisquer carreiras ou postos de trabalho estão visando. Embora fisica e psicologicamente capazes de trabalho produtivo e fértil, e na verdade, mais ativos e sexualmente motivados do que a maioria dos "adultos", embora muitas vezes entre as pessoas mais bem informadas, eles são marcados por todas as classes como parasitas imaturos. Costumeiramente não é permitido a eles qualquer propriedade ou vender qualquer força de trabalho. Embora possam trabalhar de maneira muito árdua na escola, eles não produzem nada, e não são trabalhadores. Não importa o quão socialmente útil seus conhecimentos e habilidades podem mais tarde vir a ser, eles ainda são "dependentes", uma palavra agradável para os parasitas.

Ao invés de sustentar seu modo de vida, os estudantes mascaram ou lutam para tal. Até mesmo o filho de um membro da classe dominante sabe que ele ganhou seu carro por causa de seu pai, não através do trabalho produtivo (como os trabalhadores de seu pai) ou através dos lucros (como seu pai). Aos estudantes são negados até os direitos democráticos, mesmo burgueses. Como nem trabalhadores nem proprietários, que vivem sob as regras coercitivas, mesmo sem a ilusão de ter escolhido a autoridade sobre eles, os alunos compartilham um pouco da experiência dos elementos mais evidentemente sem classes da sociedade, o lumpemproletariado real. Esta experiência tem, pelo menos, algum efeito sobre a consciência. Eles sabem como é ser considerado um parasita e viver como um. Suas identidades de classe se esvaziam. A santidade do trabalho e da propriedade privada é questionada. É claro que eles ainda são em grande parte produtos da sua classe de origem. Mas porque a sua posição de classe é agora ambígua, muitos deles fogem dos papéis de classe para que eles supostamente estavam sendo moldados, e alguns acham que é muito fácil tornar-se traidores de classe definitivos. Alguns filhos e filhas de trabalhadores guinam para carreiras administrativas, e alguns até mesmo acabam tendo cargo superiores de seus pais. Alguns filhos e filhas dos capitalistas mais ricos se tornam revolucionários conscientes, buscando derrubar o governo de seus pais, e alguns até mesmo tem sucesso em se infiltrar à classe trabalhadora. Mas o fenômeno mais marcante é o do abandono, que desliza diretamente de uma existência com algumas semelhanças superficiais ao lumpemproletariado para se tornar um membro genuíno da classe. E durante o atual período, o embrião do colapso final do imperialismo, está se tornando um fenômeno de massa.

Os jovens de rua alienados, predominantemente ex-estudantes cujos bairros normalmente são próximos de guetos negros, formam uma conexão ambígua com o lumpemproletariado e os estratos mais baixos do proletariado. A possibilidade existe para dois tipos de conflito, e ambos já tiveram lugar: em um, os brancos e os povos originários do Terceiro Mundo lutam uns contra os outros; no outro, ambos lutam juntos contra a polícia. Isto representa em forma dramaticamente clara a ambiguidade clássica no âmbito do lumpemproletariado.


Lumpemproletariado e a Classe Trabalhadora
Embora o lumpemproletariado deve desempenhar um papel na luta revolucionária, ele enquanto classe, é incapaz de ser a principal força. A sua capacidade de luta e destruição pode ser grande, mas de todas as classes da sociedade é o menos capaz de apreender e manter o poder do Estado. Um erro a ser feito dentro do movimento é o empirismo, que baseia a sua análise apenas no que já aconteceu aqui e agora. Em qualquer situação revolucionária ou pré-revolucionária, os elementos menos estáveis dentro da sociedade são aqueles que primeiro se movimentam. Isso quase sempre inclui estudantes e elementos do lumpemproletariado. O empirismo incorretamente coloca a primeira força como a força dirigente ou a vanguarda, e concluí que a revolução será feita precisamente pelos elementos que na verdade são os menos capazes de levar a cabo uma luta até a vitória final e consolidá-la. Na sociedade capitalista desenvolvida, há, naturalmente, apenas uma classe distinta da burguesia capaz de manter o poder do Estado; essa classe é a classe trabalhadora. Nesta etapa da história, revolução só pode significar uma coisa: a derrubada da burguesia pelo proletariado. (Os indivíduos podem ser combatentes anti-imperialistas, totalmente comprometidos com a destruição do Estado burguês, sem ser revolucionários. Se eles são meramente destrutivos, mais cedo ou mais tarde atacarão a classe trabalhadora, bem como o Estado.) Dentro da revolução, reside o perigo do dogmatismo que coloca sua “certeza histórica” em detrimento da realidade material. Os dogmáticos, melhor caracterizados pelo Progressive Labor Party e outras variantes de trotskistas, enxergam as lutas de qualquer grupo que não seja o proletariado como inconsequentes e se não contrarrevolucionárias. O PL leva isto até as últimas consequências ao ponto de não considerar estudantes e pessoas em situação de rua, nem sequer parte do povo. Porque eles ignorantemente interpretam que "quando Mao ou Lenin falavam em povo, eles estavam se referindo (apenas) aos trabalhadores e camponeses", eles chegam à conclusão absurda de que "a luta pelo People’s Park foi uma luta reacionária." Ao contrário do PL, marxista-leninistas entendem que a teoria deve ser baseada na realidade objetiva. Deve-se concluir, portanto, que a tarefa revolucionária chave no momento atual é espalhar a luta intensamente política dos despossados e alheios à classe trabalhadora como um todo, que, atolada em economicismo, pode ganhar sua batalha apenas na revolução, e pode construir a revolução apenas levando outras classes em aliança.

Não há nada automático ou certo acerca da relação entre as insurgências atuais e a classe operária. Ao contrário, é extremamente perigoso que a contradição entre a classe operária e o lumpensinato torne-se antagônica (especialmente se muitos trabalhadores forem ouvir a imprensa burguesa ou PL). O lumpemproletariado é, afinal, uma classe parasitária que vive do trabalho da classe trabalhadora. Os trabalhadores podem conceber tais rebeliões de caráter anárquico como uma ameaça para a segurança rasa que eles têm sido capazes de conquistar da classe dominante. Nesta perspectiva, parte do lumpensinato constituído por estudantes que deixaram suas famílias burguesas ou pequeno-burguesas, vem sendo preenchido de ideias antioperárias. E situações particulares podem aguçar a contradição. (Os estudantes e moradores de rua ocupam um conjunto habitacional a partir do qual pessoas da classe trabalhadora foram expulsos, e, em seguida, exigem que este seja um livre Prédio Popular, enquanto os trabalhadores do bairro próximo não podem pagar seu aluguel). Ou a mesma situação pode ser transformada em luta unificada. Fora disso, uma ação organizada entre o bairro para boicotar o aluguel. Assim, a tarefa de primeiro tentar conectar as lutas, e, em seguida, unificar as lutas do lumpemproletariado e da classe trabalhadora não é apenas essencial, mas necessita do trabalho dos revolucionários conscientes.

Entre os povos do Terceiro Mundo, há uma demarcação menos clara entre lumpensinato e classe trabalhadora que existe entre as pessoas em situação de rua e da classe trabalhadora branca. Trabalhadores negros são os últimos contratados e primeiros a serem demitidos, de modo que uma grande porcentagem sabe o que é estar entre os desempregados. Muitas mulheres negras estão ou em casa ou empregadas em cargos ‘‘domésticos”. O Partido dos Panteras Negras mostrou o caminho para unir o lumpensinato com a classe operária – o fato de estarem constantemente desenvolvendo programas práticos para servir o povo em áreas onde a opressão do lumpensinato é uma forma extrema de opressão sofrida pelos trabalhadores negros. Começando com uma base quase inteiramente composta pelo lumpemproletariado e comprometidos com a defesa do povo contra a brutalidade policial, os Panteras agora tem amplo apoio entre os trabalhadores negros, e graças ao programa Breakfast for Children, em toda a comunidade negra. O que tem sido fundamental para este sucesso tem sido a recusa dos Panteras em oportunamente se organizar em torno das demandas do lumpensinato por si só, mas sim se organizar através do lumpemproletariado como os membros mais vitimizadas da nação negra e, portanto, como os capazes de levantar demandas para o povo como um todo. Embora agora e novamente as contradições se intensificaram entre lumpemproletariado e da classe trabalhadora dentro das comunidades das minorias nacionais do Terceiro Mundo, agora parece certo que a liderança revolucionária, a opressão nacional, e intensificando a crise do imperialismo irão se combinar para forjar uma unidade revolucionária.

Já na “parte branca” do país, os problemas são muito mais difíceis. Certamente a lição das panteras, Serve the People, é tão crucial aqui, para dizer o mínimo. O principal aglutinador aqui é o Revolutionary Youth Movement, que se torna necessário e possível tendo em vista o caráter dual de classe da juventude, o projeto e a guerra imperialista, o elevado desemprego entre os jovens, e as ações policiais.

Dentro da Revolutionary Youth Movement, a maior parte do trabalho no próximo ano ou dois vai ser continuar a construção do movimento nos campi e nas ruas, bem como a formação de uma ação conjunta entre ambos. Mas o trabalho fundamental para os revolucionários será espalhar esse movimento para jovens brancos trabalhadores.

Aqui uma área vital do trabalho deve ser como projetar resistência e a resistência dentro do exército, porque aqui o movimento entre os jovens brancos alienados se conecta diretamente às necessidades dos jovens trabalhadores. Outra prioridade é o trabalho entre gangues de rua, que são eles próprios compostos pelo lumpemproletariado embora as suas origens de classe variam, além de moto clubes, cuja composição é principalmente de jovens trabalhadores cujo estilo de vida se relaciona estreitamente com o do lumpensinato. Uma terceira área de importância vital são os colégios, onde a separação de classes não se canalizou ainda e onde a opressão se manifesta agudamente através das classes.


Fascistas ou Partisans?

Na Alemanha, o lumpen foi a principal tropa de choque do nazismo. Qualquer um que “glorifique” a espontaneidade da juventude desempregada deve ser lembrado dos “Camisas Marrons”. Na realidade dos Estados Unidos, a juventude branca desempregada é um lugar fértil para o crescimento das piores formas de racismo, nacional-chauvinismo e do culto ao super-homem. Isto é particularmente verdade no Sul, nas áreas urbanas em que os brancos desapropriados do campo foram forçados a se mover, e em bairros étnicos europeus. E entre essas pessoas não existe uma linha divisória clara entre lumpensinato e classe trabalhadora branca.

A organização dos Young Patriots tem demonstrado que essas pessoas são capazes de se tornar não só revolucionários, mas líderes revolucionários. E a única maneira deles fazerem isso, é através da organização em torno do princípio do serve the people para os mais oprimidos e explorados da sociedade norte-americana.

O lumpemproletariado sabe o que é estar na parte inferior da sociedade, ser amassado na sarjeta por todo o peso de uma estrutura imperialista. Partilham da mesma degradação dos ‘condenados da terra’. Existem dois caminhos possíveis para eles. Um é o de transferir o seu ódio contra outras vítimas, uns contra os outros, contra si mesmos. Eles podem vestir o uniforme dos fuzileiros navais dos EUA e ir assassinar camponeses vietnamitas, eles podem predar seus irmãos e irmãs nas ruas, ou eles podem injetar veneno em suas próprias veias. O outro caminho é o caminho de sua própria libertação. Para chegar a este caminho é necessário para eles, bem como para todos nós, não apenas se tornar consciente de quem são os nossos verdadeiros inimigos, mas apenas perceber que a única força capaz de derrubar e destruir seu sistema em decomposição é uma grande aliança de todas as suas vítimas. E uma coisa é certa para todos: nenhuma classe será libertada enquanto ainda existir uma classe que possa ser chamada de lumpemproletariado.

Texto de Bruce Franklin, publicado em 1969 na 2ªedição do Red Papers,
jornal da organização ‘Bay Area Revolutionary Union’


Tradução de Gabriel Duccini


















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